Há duas características nas
cidades que são cada vez mais essenciais à sua competitividade: ambiente positivo e dinâmico. Estas
características constituem, por si só, uma marca distinta e absolutamente
necessária para gerar o que se pode chamar de conforto de confiança mútuo. Não
há limites à perceção do ambiente urbano e do que isso significa para a
estabilidade emocional, para a perspetiva positiva do desejo. Esta palavra, que
foi maldita para muitos autarcas, resulta da vontade do exercício pleno da
cidadania com todas as consequências que isso acarreta. Em Portugal está-se a
desenhar uma nova página histórica substituindo o divórcio da cidade com as
pessoas por um envolvimento mais próximo do respeito e do usufruto pleno. O
tempo para modelar as cidades em função das necessidades das pessoas é uma
função histórica, mas é simultaneamente desafiador face à urgência de responder
às novas necessidades e é aqui que nos interrogamos sobre o papel dos decisores
públicos e privados, das suas projeções e dos projetos mais e menos
absolutistas, mais e menos abertos, mais e menos intrusivos, mais e menos
próximos das necessidades reais dos cidadãos. O título desta crónica, inspirado
na peça teatral de Tennessee Williams “A streetcar Named Desire”- “Um Elétrico
chamado desejo” levada ao cinema na década de 50 pelo realizador Elia Kazan,
não pretende questionar a existência de uma relação direta entre o argumento
cinematográfico e a realidade das cidades, mas é nestas, convém lembrar, que a
dramatologia da via humana se faz sentir cada vez mais com maior acuidade e
insensibilidade. É aceitável, por isso, que cada um de nós tenha o direito de
exigir um ambiente urbano que desfaça a linha vermelha entre as necessidades
básicas e o Desejo- qualquer coisa como a materialização da condição positiva
de ser humano na plenitude das características essenciais que varrem os
domínios político, económico, social, tecnológico e legal. Quando percebemos
que a função essencial das cidades não pode ficar apenas pela criação de
condições de habitação, de trabalho, de aprendizagem, de cuidados de saúde e de
consumo, chegamos depressa ao que se pode designar como Dinâmica Qualitativa
Facilitadora da Integração- um vasto leque de necessidades de satisfação
pessoal associada na maior parte dos casos à perceção da Felicidade e do
usufruto quotidiano do melhor que a cidade pode oferecer e/ou vender. Dito
isto, parece que é fácil, mas dinâmicas decisórias estão anos luz do Desejo
Quotidiano dos Cidadãos. Falta-lhes, como escrevi, atrás, Conforto, Confiança,
para além de Rapidez, Fiabilidade, Diversidade, Acesso ilimitado, Dinâmica,
Surpresa e acima de tudo e essencial neste processo de escolha: Qualidade. Cada um de nós tem uma noção distinta do que isso
é, mas todos sabemos, por experiência própria, que de cada vez que
experimentamos a Qualidade, queremos mais e mais e essa é a grande vantagem das
cidades que privilegiam o cidadão; tornam-se necessárias. Todos sabemos que
essa necessidade não constitui hoje uma obrigatoriedade, mas o fluxo de pessoas
e bens chega cada vez às áreas urbanas à procura do Conforto e de um contrato
de Confiança que legitime o seu Desejo de ter melhor qualidade de vida. Nem
sempre os gestores urbanos conseguem interpretar os fluxos emocionais gerados
por esta busca e nem sempre se sabem posicionar
no conflito gerado pela pressão urbanística, pelo consumo caótico dos
seus recursos e pela dimensão das dificuldades e das fragilidades humanas com
que se deparam no dia a dia. Mas, talvez por isso, qualquer cidade merece e
precisa que se concretize o direito de cada um usufruir dela como bem entender.
Talvez assim se explique porque a cidade, como escreve a investigadora Mirian
Tavares nas suas “Cartografias do Desejo”, possa ser vista - como se de uma
projeção cinematográfica se tratasse - ora como “personagem ora como pano de fundo”.
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