segunda-feira, 20 de julho de 2015

O exemplo de Cascais

Os problemas da Democracia resolvem-se com mais Democracia. A afirmação do antigo ministro das cidades brasileiro, Olívio de Oliveira Dutra é mais do que atual e é um fundamento tão bom como aquele que nos remete para a sábia afirmação do presidente Lincoln sobre o que deve ser um governo: “do povo, pelo povo, para o povo”.
Estas duas frases enquadram aquilo que deve ser a vontade política por detrás da participação dos cidadãos na gestão da coisa pública. Trinta anos depois das primeiras experiências, inúmera literatura permite fazer um balanço positivo dos orçamentos participativos. Em Portugal, há já excelentes experiências como a de Cascais que tem sido um exemplo destacado em muitos fóruns mundiais. O impacto do modelo seguido é tão bom, que o responsável pela campanha de Obama, Lex Paulson, não teve dúvidas em afirmar quer “Nova Iorque tem muito a aprender com Cascais” (Observador, 11 Jul).
E nós por cá?- Hoje é o último dia para a apresentação das candidaturas ao orçamento participativo da Câmara de Braga e, fazendo jus às declarações do seu coordenador, Eduardo Jorge Madureira, parece haver uma descida do número de participantes. O balanço será feito seguramente na semana que agora se inicia. Seja qual for o resultado, há uma conclusão que deve ser tirada: realizar orçamentos participativos é importante, deve ser considerado um modelo de permanente flexibilidade, ajustando-se  às necessidades  e características dos cidadãos e se for necessário alterar a sua estrutura, o que pressupõe repensar a forma de comunicar e trabalhar com os cidadãos.  Falta, do meu ponto de vista, uma política de comunicação e marketing que anuncie o estado dos projetos apoiados na edição anterior, uma avaliação crítica à sua qualidade e uma motivação extra junto dos cidadãos. No caso de Cascais, essa motivação adveio da possibilidade de os participantes passarem a ter acesso a dois votos: um para votar a favor, outro contra. Com exceção de Paris, Cascais tem o segundo Orçamento mais participativo da Europa, sendo considerado o melhor modelo europeu, nas palavras de Paulson, que é também professor de Filosofia na capital francesa e um dos fundadores do movimento Democracia 2.1, a par do matemático checo, Karel Janecek, criado para ajudar a transformar o processo de decisões, a partir da simples ideia de conferir aos cidadãos o direito a terem mais do que um voto na escolha dos eleitos. O exemplo da cidade portuguesa chegou a Paulson quando este estava no Banco Mundial, em Washington D.C. a partir do contacto com um dos maiores especialistas na área, o professor da Universidade de Coimbra, Giovanni Allegretti.
A credibilidade do processo de Cascais advém da elevada execução dos projetos em sucessivos anos, enraizando na cabeça dos cidadãos de que vale apena participar não só com projetos como com o voto.  Para se perceber do que estamos a  falar, em 2014, registaram-se 41 mil e 005 votos que permitiram escolher uma dezena de projetos. Comparada a dimensão desta participação, Lisboa só teve cinco mil votos. Sabendo que a apetência dos portugueses pela ida às urnas é muito baixa de forma geral (nas últimas autárquicas apenas 37.99% da população de Cascais votou enquanto em Braga a fasquia subiu para os 58.99%), a motivação tem de ser outra. Em cascais, as assembleias chegam a ter 300 pessoas. Quando, pelo contrário, vemos salas com escassas dezenas ou nem isso, ou se assiste a tentativas de manipulação dos resultados como aconteceu em Guimarães, percebe-se que há um trabalho de base que passa pela Educação para a Democracia. E esse trabalho pertence aos eleitos, pertence à comunicação social, às escolas e universidades, pertence-nos a todos nós. Não há outra forma de consolidar a participação cívica do que realizar uma política transparente, de permanente informação, mas também de abertura à colaboração dos governos locais com os cidadãos de que aqui já falei. Perceber e pôr em marcha uma política faz parte da gestão inteligente das cidades. Não foi por acaso que a Democracia nasceu no berço da governação das cidades. E pode, segundo Paulson, ser replicada a nível nacional. Basta ver o que está a ser feito no estado brasileiro de Rio Grande Sul e nas províncias chinesas.

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