Há muitos anos que não estava com
o Paulo. Sentia ao longe a sua voragem cultural. Nada surpreendente para quem
desde cedo começou a desenhar e a pensar
o futuro com que brindava todos sem exceção. Ninguém era indiferente ao homem
que teimava em construir uma cidade em cada rua. O seu Porto, mais do que a sua
Braga, nunca precisou de predicados e
adjetivos para elencar a força motora de um homem quase Só, rodeado de
múltiplas facetas humanas que o ajudaram a reerguer uma cidade que amava mais
do que os homens. Paulo, era assim: surpreendente nas palavras, contido nas
emoções e alérgico às minudências do quotidiano, menos às flores. A sua
sensibilidade era gigante. Ainda no tempo de juventude, recordo o seu cuidado
com a estufa que tinha em casa dos pais, em Maximinos, em Braga e como fiquei
com instruções muito claras sobre os dias de rega e o cuidado a ter com cada
planta do seu jardim suspenso, quando me pediu que delas cuidasse enquanto ia
de férias. As flores que ele plantou não murcham, nem por vontade do Presidente
da Câmara do Porto, nem de ninguém que com ele conviveu, muito menos pela minha
parte. Na minha memória residem todas as flores do Paulo. O jovem tímido,
introvertido, era alguém para quem o seu tempo (na década de 80 do século XX),
passado em Braga, era efémero. Aos 14 anos já andava pela invicta em busca de
uma leitura que o completasse, por Lisboa para ouvir concertos de música contemporânea.
Paulo, ou o paulinho dos três vintes, frequentou a escola de Música Calouste
Gulbenkian na capital minhota, começou a escrever no Correio do Minho com
aquela idade. Falava de cultura e do que se passava na sua cidade adotiva. Na
sua indiscreta passagem pelo projeto do jornal Público, “Olhos nos Olhos”,
Paulo lembra-nos a sua dicotomia –“sempre tive dois mundos dentro de mim” – com
que baralhava as perceções à sua volta. Era ele, assim transparente, que disse
na mesma conversa, evocando a sua passagem pelo curso de Medicina, que gostava
de olhar a cidade “como um corpo que sofre e precisa de diagnóstico e
terapêuticas”. A sua magnitude transcendia o seu tempo a ponto de muitos se
interrogarem sobre esse novo conceito evocado como objetivo: a construção de
uma cidade liquida- um espaço urbano culturalmente cheio, ramificado pelas
artérias que atuam pela fluidez com que os projetos se agarram à cidade como um
todo. Paulo adorava o corpo como expressão física do pensamento e evocava-o
pelo seu superior estatuto. Não espanta, por isso, esta sintonia
particularmente feliz entre a forma como demonstrou que era possível desfazer a
ausência, reconstruindo a sua cidade culturalmente mal tratada. A sua cidade
liquida deve-nos, como tantas vezes aqui tenho evocado, fazer pensar sobre a
cidade como um ser vivo e combater esse preconceito que ainda hoje persiste nos
gestores urbanos que preferem a cidade em estado físico, quase imutável e
inócua, incapaz de se transformar permanente por ação das pessoas. Os mesmos
responsáveis que depois não percebem quando este estado paralisante se
liquidifica para evaporar e não para se ramificar e consolidar como um todo. Paulo
não permitiu que isso acontecesse. Por isso está vivo. A sua morte não aconteceu,
nem disso se trata nesta curta viagem. O homem que disse que a sua única
preocupação tinha a ver com o futuro e não com o passado foi o mesmo que
desenhou esta passagem física pelo mundo dos homens com um último olhar sobre a
Felicidade evocada de forma brilhante por muitos durante as conferências de
Futuro. A próxima edição seria uma das suas favoritas tal era a força
motivacional que o caracteriza: a Ligação- sinónimo da sua capacidade de tornar
possível o indesejável, de construir o impensável, de lubrificar as ruas da sua
cidade com a singularidade dos movimentos culturais que nunca rejeitou, com
essa visão que o tornou único entre nós. Até logo Paulo.
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