segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A cidade Liquida de Paulo Cunha e Silva





Há muitos anos que não estava com o Paulo. Sentia ao longe a sua voragem cultural. Nada surpreendente para quem desde cedo começou a desenhar  e a pensar o futuro com que brindava todos sem exceção. Ninguém era indiferente ao homem que teimava em construir uma cidade em cada rua. O seu Porto, mais do que a sua Braga, nunca precisou de predicados e  adjetivos para elencar a força motora de um homem quase Só, rodeado de múltiplas facetas humanas que o ajudaram a reerguer uma cidade que amava mais do que os homens. Paulo, era assim: surpreendente nas palavras, contido nas emoções e alérgico às minudências do quotidiano, menos às flores. A sua sensibilidade era gigante. Ainda no tempo de juventude, recordo o seu cuidado com a estufa que tinha em casa dos pais, em Maximinos, em Braga e como fiquei com instruções muito claras sobre os dias de rega e o cuidado a ter com cada planta do seu jardim suspenso, quando me pediu que delas cuidasse enquanto ia de férias. As flores que ele plantou não murcham, nem por vontade do Presidente da Câmara do Porto, nem de ninguém que com ele conviveu, muito menos pela minha parte. Na minha memória residem todas as flores do Paulo. O jovem tímido, introvertido, era alguém para quem o seu tempo (na década de 80 do século XX), passado em Braga, era efémero. Aos 14 anos já andava pela invicta em busca de uma leitura que o completasse, por Lisboa para ouvir concertos de música contemporânea. Paulo, ou o paulinho dos três vintes, frequentou a escola de Música Calouste Gulbenkian na capital minhota, começou a escrever no Correio do Minho com aquela idade. Falava de cultura e do que se passava na sua cidade adotiva. Na sua indiscreta passagem pelo projeto do jornal Público, “Olhos nos Olhos”, Paulo lembra-nos a sua dicotomia –“sempre tive dois mundos dentro de mim” – com que baralhava as perceções à sua volta. Era ele, assim transparente, que disse na mesma conversa, evocando a sua passagem pelo curso de Medicina, que gostava de olhar a cidade “como um corpo que sofre e precisa de diagnóstico e terapêuticas”. A sua magnitude transcendia o seu tempo a ponto de muitos se interrogarem sobre esse novo conceito evocado como objetivo: a construção de uma cidade liquida- um espaço urbano culturalmente cheio, ramificado pelas artérias que atuam pela fluidez com que os projetos se agarram à cidade como um todo. Paulo adorava o corpo como expressão física do pensamento e evocava-o pelo seu superior estatuto. Não espanta, por isso, esta sintonia particularmente feliz entre a forma como demonstrou que era possível desfazer a ausência, reconstruindo a sua cidade culturalmente mal tratada. A sua cidade liquida deve-nos, como tantas vezes aqui tenho evocado, fazer pensar sobre a cidade como um ser vivo e combater esse preconceito que ainda hoje persiste nos gestores urbanos que preferem a cidade em estado físico, quase imutável e inócua, incapaz de se transformar permanente por ação das pessoas. Os mesmos responsáveis que depois não percebem quando este estado paralisante se liquidifica para evaporar e não para se ramificar e consolidar como um todo. Paulo não permitiu que isso acontecesse. Por isso está vivo. A sua morte não aconteceu, nem disso se trata nesta curta viagem. O homem que disse que a sua única preocupação tinha a ver com o futuro e não com o passado foi o mesmo que desenhou esta passagem física pelo mundo dos homens com um último olhar sobre a Felicidade evocada de forma brilhante por muitos durante as conferências de Futuro. A próxima edição seria uma das suas favoritas tal era a força motivacional que o caracteriza: a Ligação- sinónimo da sua capacidade de tornar possível o indesejável, de construir o impensável, de lubrificar as ruas da sua cidade com a singularidade dos movimentos culturais que nunca rejeitou, com essa visão que o tornou único entre nós. Até logo Paulo.

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