segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As cidades refúgio



Hesitei em trazer a este espaço a reflexão que se exige após a publicação de uma das imagens mais agressivas e chocantes alguma vez editadas pelos jornais e divulgadas pelas televisões. É o dever de consciência que nos remete para a necessidade de não permanecermos em silêncio e de agitar a hipocrisia política que se “derrete” em ações eufemísticas.  Subscrevo por baixo a atitude das direções editoriais que acertaram desta vez na divulgação pura e dura de uma dos maiores êxodos humanos da história recente. Se tivéssemos feito o mesmo nos Balcãs, talvez aquele guerra europeia tivesse tido um desfecho diferente. O que termos pela frente é uma grande batalha pela dignidade humana. A Europa está a ser sujeita a uma lição moral, mas também ao desafio de demonstração da capacidade de união em torno de assunto chave: a solidariedade-um dos valores base da construção europeia. Como dizia António Guterres, na passada sexta-feira, “é uma batalha pelos valores que a Europa não pode falhar”. O que surpreende nestes últimos dias, é que a mobilização dos cidadãos está à frente da mobilização dos governos. Um ato excecional e de uma disponibilidade para ajudar que me fazem crer que há esperança para a Europa em que quero viver. O trabalho de autarcas e cidadãos anónimos que tem feito chegar às mais variadas plataformas a sua disponibilidade, não surpreende.  Seja em Penela, Lisboa, Braga ou qualquer outra cidade, o que importa é o que faremos quando chegar a hora.
Esta história, conforme já tive oportunidade de escrever no blog, remete-nos para o conceito de Cidade Refúgio, ou se preferirem Cidade de Acolhimento. Socorri-me da referência do Antigo Testamento sobre as antigas cidades de Quedes, Golã,  Ramote, Siquém, Bezer e Hebron,  referenciadas naquele documento bíblico, como refugio de "sangue" para os que, sem intenções, tivessem morto ou ferido alguém, apenas como indicadora de dois aspetos: relembrar o conceito de refúgio enquanto local de segurança, ou de Acolhimento enquanto espaço de integração, de dignidade e de cidadania.  O único crime dos que hoje procuram refugio é terem nascido vítimas de territórios que são parte do palco trágico da história em que se confronta a irracionalidade e a humanidade. Não tenho dúvidas que as cidades escolhidas para acolher os cidadãos, saberão estar à altura do desafio, tanto mais que a seguir à primeira leva de 1500 refugiados, Portugal terá a sua quota aumentada por via das negociações que decorrem em Bruxelas sobre os meios necessários à inclusão dos cidadãos no nosso país. Espera-se que as cidades percebam a importância de valorizarem o conhecimento e a experiência dos homens e mulheres que se preparam para viajar para Portugal, de lhes dar uma oportunidade para viverem, de encontrarem entre nós uma oportunidade para construir a paz de que precisam.
A palavra inclusão, tal como aconteceu com os povos dos Balcãs e do leste europeu, vai estar em cima da mesa na hora de se avaliarem as condições de futuro. Apesar dos seus 2,5 milhões de pobres, de outros tantos remediados, de uma parte enorme da população endividada, Portugal continua ser uma fonte inspiradora e exemplo da capacidade mobilizadora dos seus cidadãos. Os exemplos são muitos e vem das mais diversas origens, o que me deixa orgulhoso de ser português e simultaneamente triste. Li na sexta-feira passada que o apresentador Nuno Graciano teve um gesto nobre: "Após falar com a minha Mãe, o meu irmão Francisco Navarro, a minha irmã Teresa Graciano, decidimos. A nossa casa em Góis será cedida a uma família de migrantes". Belo gesto de quem pode possuir mais que uma casa. Só me interrogo porque razão, pessoas como o Nuno não demonstraram essa disponibilidade para com famílias portuguesas que perderam a sua casa e os seus bens e penam hoje pela dignidade.  Infelizmente, vão decorrer anos até ser possível enfrentar um regresso em segurança aos países de origem. Termino tal como comecei, abordando o papel da comunicação social. A tentação da mediatização da chegada e a sua inclusão nas cidades e em sociedade, deve merecer o cuidado substantivo e interpelativo necessário para que esta vinda seja apenas um registo. E isso só é possível se as medidas pensadas forem implementadas com discrição e com naturalidade.

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