Publicado na edição de Domingo do Jornal Diário do Minho, dia 13 de Setembro de 2015
Primeiro Acto: Sexta-feira, dia
11. A meteorologista Paula leitão acaba de ser citada pelos jornais: “o fim de
semana vai trazer cheiro a Outono”. Ela queria dizer Chuva. Quando chega sente-se
no corpo, mas também se cheira. No campo ou na cidade, os cheiros
diferenciam-se; é intrínseco a cada um de nós, à casa onde cada um vive. É tão
natural a condição do cheiro que só lhe atribuímos importância quando é muito
agradável ou então se torna insuportável. Segundo acto: Estamos em 1981. Vou de
férias. O cheiro à chegada ao Campo das Cebolas, em Lisboa, não é do bolbo, mas
da maresia desprendida do Tejo. Sigo para o Barreiro onde aguardo pacientemente
o comboio. São cinco da tarde, céu limpo, temperatura amena. Nada o fazia
prever para incautos como eu!- Um aviso sonoro estridente antecede o
inimaginável: em cinco minutos, o ar torna-se irrespirável; percebe-se porque é
que as casas estão caiadas de preto. As fábricas instaladas na cintura
industrial acabam de descarregar as fornalhas através de enormes chaminés. Terceiro
Acto: Hoje é dia 13 de Setembro de 2015: no momento em que está a ler esta
crónica, o leitor não se imagina num cenário destes. Há outro tipo de cheiros que o sensibilizam,
por ventura agridoces, talvez o cheiro a pão quente, às flores que tem junto á
soleira da porta ou da relva acabada de cortar. Pela minha parte delicio-me com o cheiro das hortícolas no campo onde passo
as manhãs do fim de semana. Espero. Para se perceber melhor porque lhe lanço o
desafio, convido-o (a) a ler o trabalho de investigação de Kate McLean,
publicado na página do New York City College of Techonology, uma síntese do seu “Sensory maps” através do
qual nos transporta para os cheiros numa viagem que começa em Edimburgo, onde
vive, a Amesterdão, Milão, Glasgow, Paris e Nova Iorque. A designer e
pesquisadora sensorial ajuda-o a conhecer as diferentes paisagens das cidades,
quarteirão a quarteirão. O seu trabalho é enorme como o foi da malograda
investigadora Victoria Henshaw, urbanista que estudou a influência dos cheiros
na dinâmica das cidades. O seu trabalho está inacabado, mas se quiser colaborar
no seu mapa pode-o fazer, descrevendo o cheiro do lugar onde vive através do
endereço http://www.smellandthecity.com/contribute.html.
A colunista brasileira, Mariana Barros,
da revista Veja, lembra-nos a importância do livro que ela escreveu “Urban
Smellscapes”, classificado pelo jornal britânico “The Guardian” como um dos
melhores títulos do ano de 2014 sobre cidades. Nele pode ler os relatos dos cheiros dos séculos
XIX e XX, de Paris a Londres, da era pré-industrial e industrial, num contraste
com a importância que as cidades dão hoje
aos cheiros e como eles influenciaram a conduta dos homens e mulheres
que gerem as cidades. A tal ponto, que hoje, mais do que nunca, todos nos
preocupamos com o cheiro da vizinhança, das ruas que percorremos, das fábricas
onde trabalhamos, sem esquecer a nossa casa. No Japão, a preocupação é tão
grande, que foi criado o projeto “Cem lugares de bom perfume” para preservar os
cheiros históricos que identificam culturalmente o território e o povo. A ideia
é preservar o património olfativo do país. Mariana escreve que a lista é
grande. Entre eles, está o cheiro do mar de Bali, a bolacha de arroz de
Morioska e a cola usada pelos artesãos de Koriyama para fazer bonecas. A escritora Victoria Henshaw chegou a
organizar passeios “smellwalks” por
cidades como Barcelona, Montreal e Seattle, enquanto apresentava soluções mais
agradáveis ( podem ser lidas no seu blog
“Smell and the City”), apelidadas “design de aromas”. Para o leitor perceber,
os processos modernos de tratamento de águas residuais já incluem o sistema de
Desodorização, eliminando o odor desagradável. Os sistemas de ventilação
modernos podem introduzir aromas agradáveis em casa ou nas fábricas. Mas o que
verdadeiramente importa é perceber os cheiros que caraterizam as nossas cidades
e as diferenciam: Em Paris podíamos escolher 14 cheiros distintos, do cigarro
Gauloise, ao pão, da urina nas ruas ao vinho. Mas em Amesterdão, a primeira
sensação, antes de se percorrer as ruas, é que cheira a cannabis e no entanto a
pesquisa revela que os principais cheiros são doces. Agora que acordou, ou nem
por isso - provavelmente passou a noite em branco- fica a pergunta: já cheirou
a sua cidade?
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